Foi quando a porta bateu que senti pela primeira vez. Sabia que o momento se fechava e, ao contrário do que seria natural, não parecia haver caminho ou estrada pela frente, apenas um vazio pesado, uma quase vontade de ficar ali, no hall da entrada, no hiato imediatamente a seguir aos dias felizes.
Para sempre, dizias. Eram tantas as palavras, um amontoado de palavras, frases construídas todos os dias com a aparente leveza do amor simples, da paixão que irrompe do tempo real e se formula num espaço novo, lento, tão lento, tão vivo. Eram tantas as palavras a arder ainda e, agora, a contrastar com o silêncio. Dar um passo, ligar a luz, caminhar até a sala, qualquer movimento parecia carregar a semântica do renovo e não havia no sangue ou na alma qualquer desejo de continuar. Oh, por Deus, eu queria ver estrada, sentir o conforto dos pés no chão, no solo a pisar um qualquer futuro, mas não o sentia. Nem o chão, nem Deus, nem alma ou sangue. Apenas um buraco frio, inexpressivo, perfeito. Um buraco pintado num azul veludo tão profundo que se imagina negro, um macabro espaço de tortura, um lugar de quase morte onde tudo é ausente a não ser o tempo. Ah! Os dias felizes... A hermenêutica da vida a explicar-me Beckett e eu, cansada, elevada nos meus destroços ainda de carteira na mão, a não querer saber.
Silêncio. Impus o silêncio para nos ouvir. Silêncio... sim, consigo sentir o riso livre, o teu respirar feliz, ali, no sofá cinzento. Há umas horas eu era inteira e toda a verdade do mundo cabia no meu sorriso. Ocorreu-me a tua profecia. Beija-me, condenaste-nos com os olhos cerrados, a dormir, beija-me muito porque pode ser a última vez. E eu ri muito a beijar-te, a olhar-te ao meu lado, ri com a inocência plena do amor a expressar-se em paz. Benditos foram os nossos beijos, assim, com toda aquela paz instalada no sofá.
Optei por subir as escadas. A cama continuava preparada para receber os corpos, o que me impressionou muito. Permiti o choro. A eternidade à minha frente e talvez nunca mais sentisse a segurança dos teus braços a prender-me a noite inteira. Esse pensar quente dos braços a prender com força o meu corpo, a não permitir um único movimento... A tua perna a ajudar, a puxar-me para ti, e eu a querer trocar de posição feliz por não conseguir, eu a despertar e a olhar a sinceridade do teu dormir. Sim, porque sempre foste mais sincero durante o sono. Regressa a mim a profecia beija-me muito porque pode ser a última vez. Nunca terias a coragem de o assumir acordado, nem sequer perante ti.
A coragem nunca foi um atributo teu. Sempre soubemos. Sempre soube tudo, da tua falta de coragem inclusive.





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