[notas soltas sobre o suicídio não assistido]



Amo a vida com a mesma intensidade que desejo a morte. Sinto a beleza que há na brisa e no sol, mas há um excesso de tempo em mim.

Existirão estudos devidamente sustentados sobre o tema, mas descobri que quando alguém se decide pelo suicídio a escolha do método tem mais a ver com a situação em si do que com os medos ou características do próprio. Num impulso, desejar a morte com uma boa dose de comprimidos é ainda uma eventual vontade de acabar com o sofrimento, evitando a dor. Adormecer e não acordar mais é o que se pede. Já quando a atenção recai nos pulsos, o desejo é outro. A dor é tanta que exigimos uma morte que nos assegure que um corte afiado não é rigorosamente nada comparado com o ardor que nos consome o corpo e a alma. O primeiro método, quantas vezes falível, ainda faz apelo à atenção. Grande parte das vezes trata-se apenas disso, um apelo à atenção. O segundo, ignora tudo, todos, e longe de ser uma morte solitária, é um excesso que desejamos ver a escorrer das veias.

O suicídio não é genético, assegurou-me um profissional de saúde, mas talvez se abra uma janela [reconheço a ironia da imagem] quando nos é próximo. Não necessariamente uma compulsão, mas uma liberdade estranha em relação ao assunto.

Não aguento as horas. Os minutos pesam, mas são as horas que atormentam a alma. A vida que passou é um fardo e no presente angustio-me com o futuro. Não suporto mais um segundo a somar à minha história. 'Ah! Mas sabes lá o futuro.'. Merda para o futuro. Trará mais peso e mais carga e mais ilusões e mais o diabo a quatro. Onde terei eu escondido Deus em mim?


Se eu fosse a minha mãe, teria deixado uma carta: 'Minha querida filha, Nunca te esqueças... Amo-te muito. Só não amo a vida.'.

[última vontade] Não quero um caixão. Ponham-me numa caixa tosca e queimem o corpo. É a alma que desejo acarinhar. Desejo ainda o calor dos que amo, as suas palavras, uma orquestra de câmara, uma cantora lírica e o azul uma vez mais, pf.


O suicídio pode ser o último acto erótico.

Hoje seria um bom dia para morrer. Cheira a terra molhada, a casa está limpa e cheia de música, tenho flores numa jarra e a noite mantém-se cálida. Se me deitasse no sofá, adormeceria eternamente com um sorriso bonito. 





















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