Era uma vez um rei cheio de medo. Tanto medo tinha, que nos reinos vizinhos era conhecido como o Rei Muralhas. Ora, na verdade, o nome assentava-lhe que nem uma luva dado passar os dias a planear e a ordenar que se construíssem grandes muros, com pedras enormes e muito pesadas. 
Cada vez se tornava mais difícil chegar ao seu reino, pois já seis muros ladeavam a entrada. “Meus súbditos...” - dizia ele - “Agora sim, estamos quase em segurança. Talvez um muro mais...”. E as obras lá avançavam sem fim à vista.
Não havendo mais terra para construir fora de portas, o Rei Muralhas - vamos também nós tratá-lo assim - angustiou-se muito e decidiu continuar a tarefa no interior do seu reino. Não passou muito tempo e já todas as casas tinham o seu próprio muro, cada vez mais alto e, portanto, intransponível.
No reino, os súbditos há muito sussurravam entre si queixando-se de tal mania. Com as casas muradas, os sussurros não resultavam e passaram a gritar uns aos outros: “Mais um muro? Mas quando é que isto tem fim?” e terminavam sempre, num tom ainda mais alto “OUVISTE?”.
O tempo passava e a gritaria continuava. Os súbditos do Rei Muralhas já só falavam aos gritos, mesmo quando estavam próximos uns dos outros.
“DÁ-ME UM PÃO” gritava o filho à mãe. “VAIS SAIR?” gritava a mãe ao pai. “AS MINHAS CALÇAS?” gritava o pai à mãe. “DEIXA-ME BRINCAR” gritavam os amigos. “TEM SALSA?” gritava a vizinha e ficava muito aborrecida por não obter resposta do outro lado do muro. “NÃO QUER EMPRESTAR, É O QUE É:” gritava em pensamento.
Instalou-se a confusão no reino do Rei Muralhas. Ninguém se entendia. Todos pareciam viver zangados. 
E - digo-vos eu - tal foi a confusão, o barulho e a desconfiança, que certo dia aconteceu o que ninguém conseguiu prever. O SILÊNCIO.
Um silêncio total. Já ninguém se falava e, porque pouco espaço restava para caminhar, sentavam-se tristes junto às paredes espessas, a pensar no tempo em que no reino do Rei Muralhas não havia muros.
O rei, muito preocupado com o estado do seu povo, procurou chamar todos os sábios das redondezas.
Enviou falcões com mensagens urgentes, ordenou ao exército que gritasse numa só voz, convocou os homens mais robustos para que saltassem as barreiras, mas todos os seus esforços acabavam por não resultar. Ninguém conseguia sair do reino e, de igual forma, ninguém podia atravessar as muralhas erguidas.
“E se destruísse os muros, minha digníssima e caríssima majestade?” sugeriu o bobo da corte, dos poucos no reino que ainda se conhecia a voz. Fez-se um silêncio ainda mais profundo.
Os presentes entreolharam-se, adivinhando os pensamentos do rei: “Tantos anos, tanta dedicação, tanto trabalho a construir as minhas muralhas... Propõem agora que as destrua apenas para que, por umas breves horas, os sábios passem? Quanto tempo demorarei a erguê-las uma vez mais?”.
Foram necessários alguns dias até que o rei cheio de medo ganhasse coragem para destruir o primeiro muro. Depois desse, destruíram-se outros e, à medida que vinham abaixo, algo muito estranho acontecia...
As pessoas reconheciam-se e sorriam umas para as outras. Algumas abraçavam-se e choravam com saudade. As crianças retomaram as suas brincadeiras como se nunca tivessem deixado de o fazer e, aos poucos, as palavras foram surgindo. No início lentamente, muito a medo. Depois em velocidade sôfrega, como quem deseja recuperar cada segundo até ali perdido.
Sem grande demora, o burburinho tornou-se natural e nenhum sábio precisou de atravessar o reino e chegar à corte.
Parece-vos necessário terminar este conto dizendo que nunca mais foram construídos muros no reino do Rei Muralhas? Mas, deixem que vos diga, passados anos sobre esta história, naquela mesma terra, muitos estranharam ao ouvir o nome do soberano de um reino tão feliz.
Sim, porque, ao jeito dos bons contos-de-fadas, todos ali viveram felizes para sempre.

O Rei Muralhas, para o meu filho João Pedro (Março de 2012)



Comentários

Mensagens populares